O resultado das eleições mostra uma população dividida como já sabemos. Essa divisão, contudo, não está apenas no resultado final da votação, quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu 50,9% dos votos válidos (60.345.999), enquanto Jair Bolsonaro (PL) teve 49,1% (58.206.354). Ao avaliar os votos notamos um detalhe importante: pelo menos 50% dos votos que Lula recebeu não foram para o PT ou para o candidato Lula, mas sim em desagrado ao governo Bolsonaro.
Essa leitura é importante porque o cenário também não é confortável para o PT no Congresso Nacional. Com o resultado das eleições, 75% dos parlamentares são de centro-direita. E a situação não fica melhor com os outros 25%. Diferentemente de outras eleições, este não é um governo do PT, mas sim de aliados: são ao todo 16 partidos (PT, PV, PCdoB, PSOL, Rede, PSB, Solidariedade, Pros, Avante, Agir, PDT, Cidadania, PCB, PSTU, PCO e Unidade Popular). Todos, claro, com sede de poder.
Outra questão que não pode ser ignorada depois do anúncio da vitória de Lula foi a capacidade de Bolsonaro organizar e colocar apoiadores nas ruas. Não sabemos se ele vai usar esse recurso em 2023. O que sabemos é que nenhum parlamentar gosta de manifestações populares desse tipo, pois deputados e senadores dependem do voto para a sua sobrevivência na vida pública.
Mas Lula deu o ponta pé inicial com moderação. Em vez do enfrentamento, decidiu nomear o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, que tem um perfil moderado, como interlocutor no processo de transição, que começou na segunda-feira (7). Uma demonstração de que as posições e ideias radicais serão comedidas. Mesmo assim já há indícios de sinais trocados, com a indicação da equipe de transição, com Guido Mantega, e falas desconexas de Lula. O mercado financeiro já não reagiu muito bem em ambos os casos.
O fato é que as primeiras movimentações fazem com que cada partido comece a sinalizar o tamanho de poder que deseja no novo governo. O deputado federal Arthur Lira (PP-AL), por exemplo, quer ser candidato à reeleição como presidente da Câmara dos Deputados e já está fazendo o jogo político necessário para viabilizar isso.
A nomeação da equipe de transição, com interlocutores em cada área, vai indicar o melhor caminho a seguir para os partidos políticos. Os nomes indicados darão uma noção melhor de como estão se dando as negociações e de como será a relação do Executivo com o Legislativo para o encaminhamento das pautas.
Lembrando que o Orçamento (LDO) é a grande pauta desse ano, que deve ser votado até o dia 20 de dezembro. Lula fez promessas de campanha e terá de cumpri-las. Com as restrições orçamentária que já conhecemos, a pergunta é: como ele vai fazer isso? Será que vai quebrar o teto do orçamento? Qual será o impacto disso também no mercado financeiro? Esse é um jogo difícil que tem de ser medido e calculado minuciosamente para não ter muitas consequências lá na frente.
No início de 2023, já temos as eleições para as presidências da Câmara e do Senado. Nesse momento, vão surgir novas pautas de negociação dos partidos com Lula. Resumindo, o novo governo não terá vida fácil em seu primeiro ano. Temos de aguardar os próximos passos para ver como fica esse arranjo inicial para começar a pensar em reformas administrativa e tributária.
*João Henrique Hummel é diretor-executivo da Action Relações Governamentais e presta consultoria para várias frentes parlamentares, entre elas a Frente Parlamentar de Comércio e Serviços – FCS, que tem o apoio da Unecs – União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços.