A lista de alimentos a serem comprados sem imposto ou com carga reduzida foi foco de divergência entre representantes do governo e da indústria alimentícia em audiência pública realizada na quinta-feira (31) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Além dos itens da Cesta Básica Nacional, criada na reforma tributária, o debate tratou do mecanismo de devolução de parte do imposto pago pelos mais pobres (cashback) e do impacto das novas regras tributárias na saúde e na educação.
O senador Confúcio Moura (MDB-RO) presidiu a reunião, que foi a terceira das 11 audiências públicas da CCJ, conforme o plano apresentado pelo relator do projeto de lei complementar (PLP) 68/2024, senador Eduardo Braga (MDB-AM). O projeto regula a reforma instituída pela Emenda Constitucional 132 e será analisado apenas na CCJ antes de ir a Plenário. O texto já foi aprovado pelos deputados.
Ultraprocessados
Todos os alimentos deveriam ter carga reduzida para os futuros Imposto sobre Bens e Serviços (IBS, estadual e municipal, que substituirá o ICSM e o ISS) e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS, federal, que substituirá o PIS e Cofins), na opinião do presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA), João Batista Ferreira Dornellas. Ao contrário do projeto do governo, ele não faz distinção entre os alimentos considerados saudáveis — incluídos na Cesta Básica Nacional — e os ultraprocessados, que são preparados pela indústria com ingredientes não encontrados na cozinha doméstica, como corantes, aromatizantes, texturizantes, entre outros.
Segundo Dornellas, o Brasil é o segundo maior exportador de alimentos industrializados do mundo, mas essa “abundância” não chega à mesa dos cidadãos em razão do preço dos alimentos. Dornellas afirmou que há uma “falsa acusação” de que alimentos processados e ultraprocessados levarão a população à obesidade.
“A grande dificuldade é que [a terminologia “ultraprocessado”,] é muito ampla, ela é confusa. Vai desde uma balinha de goma até uma fórmula infantil que o SUS compra para salvar vidas. [Aumento de] imposto não vai resolver a situação que queremos combater […]. Os grupos que fazem pressão no Congresso deviam falar: ‘consumidor, eu estou fazendo um trabalho árduo para que você pague mais caro toda vez que quiser comer uma linguiça, uma salsicha, um sorvete, um pão de forma, um cereal matinal’. É isso que vai acontecer”, disse o representante da indústria de alimentos.
Alimentos saudáveis
Já Rodrigo Octávio Orair, representante do grupo do Ministério da Fazenda que assessora a elaboração da reforma tributária, explicou que o governo usou três critérios para inclusão dos alimentos na Cesta Básica Nacional, com alíquota zerada: o não “aumento súbito” do número de produtos, mantendo preferencialmente os que já fazem parte da cesta atualmente; o fato de serem produtos majoritariamente consumidos pela população mais pobre; e o fato de serem produtos saudáveis.
O projeto estabelece exceções ao IBS e à CBS para prever o não pagamento dos novos tributos ou a diminuição de sua alíquota — os chamados “regimes diferenciados”. No caso dos alimentos, 22 itens listados na cesta básica terão alíquota zerada. O mesmo ocorrerá com ovos, frutas e produtos de horta. Já outros 12 mantimentos terão redução de 60% no IBS e na CBS.
In natura
O favorecimento tributário de alimentos na reforma prioriza os que sofrem pouca ou nenhuma alteração desde sua extração da natureza, chamados de alimentos in natura ou minimamente processados, disse Patrícia Gentil, representante do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). Ela ressaltou que há evidências científicas robustas e direcionamento oficial do governo claro quanto aos prejuízos à saúde causados pelos alimentos processados e ultraprocessados.
Ela afirmou que espera a retirada pelos parlamentares de itens favorecidos na cesta básica, como a margarina e cafés aromatizados, ou de produtos como macarrão instantâneo do rol que reduz em 60% os novos tributos. “São produtos ultraprocessados em detrimento de outros que poderiam ter entrado […], como algumas castanhas, algumas leguminosas e oleaginosas que hoje já tem uma série já tem isenções”.
Rodrigo Octávio Orair, representante do Ministério da Fazenda, esclareceu que a margarina se enquadra em dois dos critérios para inclusão na cesta, que terá também a manteiga, opção considerada mais saudável.
Cashback
Orair afirmou que quanto mais exceções à alíquota geral existirem, maior será a alíquota geral sobre o consumo — estimada pelo governo em cerca de 28% do valor do produto. Se não houvesse exceções, a alíquota poderia ser em torno de 22%, informou.
Ele propôs que o cashback é a forma mais eficiente de aliviar o bolso dos mais pobres sem comprometer o crescimento econômico proporcionado pela modernização do sistema tributário — principal objetivo da reforma, segundo ele — e a justiça social. O mecanismo devolverá no mínimo 20% de IBS e CBS para qualquer gasto das famílias com renda de até meio salário mínimo por membro — o que corresponde a R$ 706 por integrante, atualmente. E no caso de botijão de gás de 13 quilos e de serviços de energia elétrica, água, esgoto e gás natural, todo o valor pago em CBS será devolvido.
“[O cashback] tem problemas de erro baixíssimos. Estamos dando uma escala sem precedentes no mundo, alcançando um terço da população brasileira. [Diminuir alíquota para determinados produtos] não dá qualquer garantia de que vai passar [o valor não gasto em tributo] para o preço… E está socializando o custo [de aumentar a alíquota dos outros produtos] com conjunto da população, aumentando o preço do tributo sobre o calçado, sobre a camiseta, sobre energia elétrica… O cashback é muito, muito mais simples. O que a família tem que fazer é declarar o seu CPF na compra, o Comitê Gestor e a Receita Federal vão apurar o valor e vão devolver no cartãozinho de maneira muito mais simples e muito mais controlada… O que ele faz é reduzir a carga tributária dessa família que hoje seria 20% para no máximo 15%”, disse Orair.
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CAE
Na terça (30), o senador Izalci Lucas (PL-DF) destacou, em pronunciamento, que apresentou o relatório do grupo de trabalho da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) sobre a regulamentação da reforma tributária. O grupo foi criado para analisar o PLP 68/24. A CAE realizou 21 audiências públicas com representantes do setor produtivo, que embasaram o relatório. O senador propôs 70 alterações no projeto que serão encaminhadas ao senador Eduardo Braga. No entanto, Izalci defendeu que a regulamentação da reforma tributária também seja votada pela CAE.
O senador destacou que aspectos importantes foram excluídos da proposta já aprovada pela Câmara, como os materiais para a construção civil e os cartórios. Além disso, de acordo com ele, a Emenda Constitucional 132, que instituiu a reforma tributária, restringiu alguns incentivos, o que motivou a criação de propostas alternativas.
“Quero lembrar a todos os senadores que essa talvez seja a matéria mais importante que iremos votar neste ano, ou até mesmo neste mandato, porque a reforma tributária, o IVA [Imposto sobre Valor Agregado], é uma discussão que é feita há mais de 30 anos no Congresso Nacional e que precisa ser realmente aprovada, mas com o texto adequado. Temos consciência de que o sistema tributário atual do Brasil é um dos piores do mundo: muita complexidade, muita burocracia, muita insegurança jurídica. Há um desincentivo muito grande à atividade econômica, um afastamento de investimentos”, afirmou.
CLIQUE AQUI para ver a apresentação do senador com as 70 sugestões de alterações para o projeto. E leia também a ATA de Reunião da Frente Parlamentar de Comércio e Serviços, realizada no dia 30 de outubro, na sede da FCS, onde o senador Izalci fez a apresentação aos parlamentares membros da frente.
Fonte: Agência Senado